Histórias, Estórias & Versos

Roda de Samba

10-08-2011 23:18

Imagine uma roda de samba, cada um puxa uma canção, violão, cavaquinho, pandeiro, surdo e tamborim, tamborim que não para um momento sequer mesmo quando os outros instrumentos cessam o percursionista continua a batucar. Eu pego o microfone e me arrisco a cantar:

Madalena, Madalena

Você é meu bem querer,

Eu vou contar pra todo mundo

Que eu quero é você.

(Martinho da Vila)

 

Um jovem de uns vinte e poucos anos se aproxima visivelmente alcoolizado enquanto o tamborim continua tocando e me diz:

_Você ta rindo do que? _Parece um bobo rindo a toa. Eu respondo:

Calma rapaz estamos todos nos divertindo, porque você não participa. Falei isso e estendi o microfone a ele enquanto todos os olhares divergiram para nós, ele pegou o microfone virou-se para o cara do violão pediu um tom e cantou com a voz meio pastosa:

Você sabe o que é ter um amor meu senhor?

Ter loucura por uma mulher

E depois encontrar este amor meu senhor

Nos braços de um outro qualquer

Você sabe o que é ter um amor meu senhor?

E por ele quase morrer.

E depois encontrá-lo nos braços

Que nem um pedaço do seu pode ser.

 

Ele cantava olhando para mim com um olhar desafiador como se eu fosse o culpado de algo que lhe havia acontecido, nesta altura da canção ele veio em minha direção, cutucou-me no peito com o dedo indicador e completou:

 

Há pessoas com nervos de aço

Sem sangue nas veias e sem coração

Mas não sei se passando o que eu passo

Talvez não lhe venha qualquer reação

Eu não sei se o que trago no peito

É ciúme, despeito, saudade ou rancor.

Eu só sei é que quando a vejo

Me dá um desejo de morte e de dor.

(Lupicínio Rodrigues)

 

Quando parou de cantar bateu com o microfone em meu peito e ficou me encarando, enquanto isso o tamborim continuava em seu ri timo eu segurei o microfone olhei para o cara do tamborim que quando olhou nos meus olhos parou de batucar.

 O silencio que reinou naquele instante foi ensurdecedor, todos olhavam para nós. Eu encarei o rapaz levei o microfone à boca e cantei:

 

Ninguém sabe as magoas que trago no peito

Quem me vê sorrindo deste jeito

Nem se quer sabe da minha solidão

É que o samba me ajuda na vida

Minha dor vai passando esquecida

Vou levando esta vida do jeito que ela me levar...

 

Agora foi a minha vez de encarar o rapaz, olhando firme para ele e com o maior sorriso que pude abrir eu completei:

 

Vamos falar o que quiser

Futebol ou dinheiro

De batuque de samba e até de pandeiro

Mas não fale da vida

Por que você não sabe o que eu já passei

Moço cante esse samba que o verso não para

Batuque mais forte a tristeza se cala

Eu levo esta vida do jeito que ela me levar.

(Benito di Paula)

 

O rapaz afastou-se trocando as pernas, atirou se em uma cadeira e com os cotovelos na mesa a cabeça entre as mãos desatou em soluços, agora alem do tamborim o cara do surdo continuo batucando também fazendo a marcação da cena que se desenrolava. Uma morena de cabelos longos de um crespo graúdo e olhos... Cada um que imagine a cor que quiser, aproximou-se de mim, estendeu a mão para o microfone que eu entreguei, ela olhou para o rapaz e depois veio em minha direção parou em minha frente e cantou:

 

É acaba a valentia de um homem

Quando a mulher que ele ama vai embora

É tanta coisa muda nesta hora

E o mais valente dos homens chora.

 

Diz que faz e acontece que não tem medo de nada.

Levanta a voz fala alto maltrata a mulher amada

Quando ela cisma e vai embora a montanha se desmancha

E o mais valente dos homens chora como criança.

(Benito di Paula)

 

Ela parou de cantar, mas a batucada continuou alguém me alcançou outro microfone e eu senti que ia ser posto em cheque pela morena seus olhos lembram... Deixa pra lá, não deu outra ela me encarou e disse:

_Diz ai tiozinho, por que todo homem enche a cara nestas horas? Respondi:

_Citando um poeta gaudério:

 

 Quem se perde por rabo de saia

Só se acha no fundo de um copo!

(João de Almeida Neto)

 

Todos riram, ela olhou para todos e o riso cessou então ela disse:

_ Tão rindo hem? Algum de vocês tem outra explicação? Silencio... Só o som do tamborim e do surdo se ouvia, me encarando novamente ela disse:

_E depois, o que acontece? Como se explica o fogo?

_O problema não é o fogo e sim os motivos que levaram a ele, normalmente é mais fácil achar que a culpa é de outro, a mensagem dele para mim foi:

 

Tire seu sorriso do caminho

Que eu quero passar com a minha dor.

(Nelson Cavaquinho)

 

   _Amanha com a ressaca vai ser pior, encarar os amigos, alguns vão fazer ares de penalizados, outros vão rir como agora, outros vão fingir e no final tudo vai depender só dele. Ele pode ir a ela e pedir, mas se o erro não for dele vai ficar desmoralizado e ainda existe a possibilidade de ser rejeitado, quanto ao fogo: Se foi o primeiro não será o ultimo, este foi por despeito o próximo pode ser por alegria em uma comemoração, é coisa que acontece quanto ao resto é questão de tempo, tropeçou e caiu tem que levantar sozinho e assumir o tombo como na canção conhece?

 

Chorei... Não procurei esconder

Todos viram... Fingiram...

Pena de mim não precisava

Ali onde eu chorei qualquer um chorava

Dar a volta por cima que eu dei

Quero ver quem dava!

 

Todos se uniram em uma só voz cantando novamente esta parte inclusive o rapaz que se levantou agora já mais firme e abraçou-se a mim e a morena e o cara do tamborim não cantava, ele gritava. A segunda parte a morena cantou sozinha ela conhecia muito bem a canção.

 

Um homem de moral não fica no chão

Nem quer que mulher lhe venha dar a mão

Reconhece a queda, mas não desanima.

Levanta sacode a poeira e da volta por cima.

 

No final todos cantaram juntos novamente:

 

Reconhece a queda, mas não desanima.

Levanta sacode a poeira e da volta por cima!

(Noite Ilustrada)

 

Quando sai da roda de samba o nosso amigo despeitado já estava cercado por algumas meninas dispostas a consolá-lo, pretendia sair à francesa, mas a morena viu e perguntou:

_Já vai Tiuo?

_Sim,

Tenho minha casa pra olhar.

(Adoniran Barbosa)

 Cantarolei.

_A gente se vê de novo? Perguntou.

_Acho que não. Ela pegou minha mão segurando entre as dela e disse:

_Quem sabe? E cantarolou.

 

Quem sabe se nessas voltas que a vida da

Você pode mudar de idéia e me procurar...

(Benito di Paula)

 

_Quiçá! Respondi sorrindo, dei-lhe um beijo na testa e sai à rua, enquanto caminhava ia pensando: Quem sabe? Eu sei, mas aqueles olhos... Realmente são muito parecidos, mas não é ela.

 

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