Histórias, Estórias & Versos

O mal de Alzaimer

25-03-2012 23:28

 

 
Vi outro dia uma reportagem sobre o tal de Alzaimer, falaram que andar pra trás escrever de mão trocado e mudar algumas rotinas é algo que pode ajudar se no futuro esta doença com nome de alemão se manifestar. Bueno andar pra trás que nem caranguejo no me gusta, escrever de mão trocada eu já escrevo, pois sou canhoto, mudar algumas rotinas foi o que mais me agradou e comecei a praticar, também porque quando a gente vê a barba do vizinho ardendo à gente põem as da gente de molho, um conhecido com dez anos menos que eu foi acometido desta enfermidade, Bueno mudei varias coisas no meu dia a dia inclusive o trajeto das minhas caminhadas tenho visto uma diversidade enorme, passei por ruas e lugares vi paisagens que nem quem viu é capaz de descrever, nestas minhas andanças cruzei com varias  gentes com algumas até falei ou troquei um comprimento e gentes que a tempos não via eu também reencontrei. Numa destas caminhadas me fui pros lados da cidade onde já morei lá ninguém sabe dos tempos que fui Tchê Guri as paisagens estavam bem diferentes das lembranças que eu guardava, tantos anos se passaram e agora eu ali parado em frente ao bolicho fui trazido à realidade pelo chamado do Bolicheiro:
_TCHÊ LOCO!!! É tu mesmo vivente? Mas há quanto tempo por onde andaste? Raspou o bigode, parece que inté ta mais novo do que quando vivia por cá!
_Buenas Bolicheiro! Sigo na lide peleando de sol a sol e nos dias de domingo se quer mais é um churrasco no rancho mesmo e uma ciesta na tarde pra recuperar as forças pra encarar a lide de novo, nem sobra tempo pros amigos, mas to tentando da uma sacudida nesta modorra pra não acabar entrevado.
_De fato Tchê Loco eu já ando arrastando as paragata esta vida por detrás do balcão do bolicho me deixou moloide por demais e ando cada vez mais esquecido se não é a ajuda do Guri já tinham me logrado umas quantas vez. 
_Não é tanto assim Bolicheiro, me conheceu mesmo depois de tantos anos.
_Pois é, me alembro bem de cousas antigas, mas me esqueço do que se passou há pouco.
_Bueno Bolicheiro tu não é mais um guri de repente seria bom fazer uma visita pro seu doutor quiçá ele não te receita uns memoriol! Tu já viu falar do tal de Alzaimer? Se não me falha parece que este é um sintoma da doença... Neste instante o Guri, é como o bolicheiro chama seu empregado, assoviou lá de dentro do bolicho, isto queria dizer que ele estava precisando de ajuda.
_Mas te aprochega vivente não vai vir por cá e se ir sem beber alguma cousa. Entramos no bolicho onde as conversas estavam animadas, pois era sábado véspera de domingo de GRENAL.
_O que vai ser Tchê Loco?
_Só uma gaseificada Bolicheiro o calor lá fora ta de fritar ovo no asfalto.
_De fato Tchê Loco ai querências por cá que parecem ser lá do semi-árido o Patrão Velho esta nos castigando.
_Penso que o Patrão Velho não tem nada com isso se ai culpados pelo que se passa por certo não é ele sabemos bem quem é. Depois do dilúvio o Patrão Velho disse a Noé que jamais levantaria novamente a mão contra o homem, Noé retrucou dizendo: _Jamais Senhor?  E o Patrão Velho respondeu: _Jamais! “O homem é perfeitamente capaz de destruir a si mesmo”. Tomei alguns goles de água só então notei um Índio sentado num banco alto com os cotovelos no balcão a cara enfiada entre as mãos os pés calçados com uma sandália estilo nordestina balançando no ar olhando fixo para um liso de cana, um copo de cachaça, fiz um sinal ao bolicheiro que se aprochegou, eu perguntei baixinho:
_Este ai ao lado no balcão é o Baiano?
_É ele sim parece, ai quem diga, que a chinoca fugiu de casa ai também os maledicentes que falam a boca pequena: “Melancia grande ninguém come solito” outros dizem que ele descobriu e mandou ela embora, mas na verdade é tudo fuxico ninguém sabe de... Neste instante ele levantou a cabeça me olhou e sorriu dizendo: 
_Ô meu rei toma um trago comigo?
_Te agradeço vivente, mas há muito não bebo canha. Com um sorriso de escárnio ele disse:
_Mas ié? Sei... As noticias correm como rastilho de pólvora, parece inté que tenho uma peste contagiosa! Falou isso com um tom ameaçador, senti que o Cuera tava loco por um entrevero respondi:
_Como eu disse não bebo mais canha e também sou petiço no me gusta ficar empoleirado nestes bancos gosto de sempre ter um pé no chão... Ele cortou o que falava dizendo:
_Não seriam os dois pés no chão?
_Não! Se os dois pés tão no chão é porque temo parado, mas se um esta no ar quer dizer que temo andando, mais uma cousa, não sei se é a idade, mas este burburinho me deixa zonzo não consigo acoiera as idéias dereito. Pra beber seu “cabra“ no maximo uma cerveja e num ambiente onde se possa trocar uma idéia. O bolicheiro entendeu a minha intenção, pois viu que todas as atenções se voltaram para nós, foi dizendo: 
_Bueno Indiada se abanquem na mesa do reservado que já levo a cerveja, qual vão querer?  Respondi:
_Pensava que a cerveja por cá fosse à oficial do Rio Grande! Ao que o Baiano complementou:
_ Acordo com tu neste quesito meu rei! Baixa uma Polar! Sentamos a mesa do reservado o bolicheiro veio em seguida trazendo a cerveja e dois copos, serviu-nos e falou:
_Qualquer coisa prendam o grito que venho avoando!  Quando passamos para o reservado notei que “Foguinho” o maior fofoqueiro da região ajeitou uma cadeira junto à divisória do reservado. Assim que o bolicheiro saiu o Baiano ergueu seu copo, fiz o mesmo batemos os copos em um brinde e ele disse falando alto:
_AXÉ!!! Respondi.
_Salute!!!  Bebemos, ele tornou a encher os copos e a após um breve silencio passou a narrar a sua versão dos acontecimentos, disse, desdisse, chorou, praguejou, elogiou quase difamou... 
_Ou, ou, ou! Disse eu interrompendo o que ele dizia e continuei:
_Não me fale mal das mulheres, não te esqueças que uma delas é tua Mãe e a outra é a minha e que lás paredes tem ouvidos... Disse isso enquanto dava um murro na parede do reservado, ouvimos muitas risadas e uma discussão entre o Bolicheiro e Foguinho, mas logo ficou apenas o burburinho das conversas, continuei:
_Las paredes tem ouvidos e geralmente deturpam o que ouvem” quem conta um conto aumenta um ponto”. Mas em síntese ele desabafou! Nada mais que um desabafo, nada se pode considerar do que foi dito e ao mesmo tempo tudo, tudo depende da boa ou da má vontade de cada um, ele ficou me olhando com um olhar inquisitivo, quiçá esperava uma palavra de apoio ou um caminho a seguir, mas o caminho a seguir se encontra solito ninguém pode dizer qual é o caminho o que se pode fazer é refazer o caminho até onde se esta pra se perceber os atalhos errados que se tomou. Assim pensando eu disse:
_ Sabe Tchê penso que todos nós homens sofremos de um sintoma do mal de Alzaimer esquecemos pequenas coisas, coisas recentes, não percebemos certos sinais, não entendemos quando um “nada”! Significa muito. Uma mulher apaixonada monopoliza, ela se torna senhora da situação se fingindo submissa, aprende a perceber todos os sinais, te conhece sabe do teu humor é incrível nos pelegos enquanto isso vamo se acomodando cada vez mais, logo desaprendemos até de como se vestir não se escolhe mais se quer as próprias cuecas, lavar entonces! Lembrei agora de Tchê Loco, quando seu filho Vandir tinha uns dez anos mais ou menos ele notou que o guri andava se sumindo pelos matos e barrancos com a egua, coisa de guri, o chamou e disse:
_Tchê Guri tu ainda não ta bem taludo pro cabo da enxada, mas já ta na hora de ter uma ocupação, cabeça vazia  morada do capeta, tu vai ajudar tua mãe nas lides do rancho ela vai te ensinar e de agora em diante quem cuida dos teus mijados é tu. O Guri respondeu: 
_Mas pai isso lá é lide pra home? Tchê Loco falou:
_Se preciso for eu faço e não vai me cair o saco por causo disso, sei cozinhar e sei lavar  não tão bem quanto uma prenda, mas da pro gasto, saber não ocupa espaço, assim tu vai aprender também a dar valor ao que tua mãe faz e se tu um dia arrumar uma Prenda poderá dizer que ta com ela porque quer e não porque precisa .
_ Mas a maioria de nós não teve este tipo de traquejo. O tempo passa se vem uma cria das vezes se vem dantes de se ajuntar os trapos, crias são um laço mui forte e alguns tourinhos novos s são laçados deste jeito...  Neste momento Baiano respirou fundo e falou alto:
_BOLICHEIRO BAIXA MAIS UMA, MAS DESTA VEZ TRAGA LOGO UM LITRÃO! Se veio o Bolicheiro trazendo a cerveja colocou sobre a mesa eu perguntei a ele:
_O que foi aquela discussão lá Bolicheiro?
_Foi tu que deu o soco na parede? Assenti que sim e ele continuo:
_Na hora que tu deu o soco na parede o Foguinho que tava grudado na parede se derramou cerveja nas bombachas, parecia que tava tudo mijado, como todos se riram, ele brabo, foi me dizer que ia entrar aqui pra tirar satisfação ai eu disse a ele: 
_O que tu vai dizer pra eles? Que te assustou tanto que molhou as bombachas de susto com o soco na parede enquanto tentava ouvir o que eles estavam conversando? Ele se foi embora sem dizer mais nada. O Bolicheiro saiu do reservado, Baiano encheu os dois copos bebeu e me encarou como se dissesse continue.
Tchê Baiano nem toda mulher é vaca, mas toda a vaca é mulher, ai casos de uma fêmea rejeitar a cria, mas na maioria das vezes as vacas são mães dedicadas amamentam e protegem e só se apartam da cria quando entram em um novo cio, mas ai o bezerro ou bezerra já sabe pastar, quanto ao macho, faz o que a natureza lhe incumbiu... Já a fêmea do homem das vezes não tem a sabedoria da vaca umas são super protetoras criando machos indolentes e fêmeas fúteis, algumas rejeitam a cria como a vaca, outras não o fazem abertamente por causa das convenções ou intencionalmente rejeitam porque a cria se veio numa hora errada por negligencia, descuido ou porque o laço apesar de forte tem seus ônus a realidade não era bem o que se esperava... A cria se cria semi apartada das vezes nem se quer tem o peito se cria nas mãos d’algum parente que apesar de dar carinho não é o carinho de mãe e ai se criam bezerras sem referencias e bezerros inseguros de qualquer forma, sem um meio termo, ambos os casos são presas fáceis para “os vícios”.  Ai também situações em que o segundo caso se apresenta porque a mulher tem que dividir com o homem a trincheira na batalha pelo sustento e por não saber administrar o tempo, tempo este que boa parte deveria ser dedicado a cria, se perde ou é direcionado para outras “atividades”, concentra-se o tempo elegem-se prioridades e o tempo para quem se ama se esvai... E o Macho, mal acostumado, acomodado de nada se apercebe a paixão arrefece ai alguma coisa acontece que faz com que antigos sonhos despertem e se vem o desenlace...  Meu interlocutor afogou-se quando eu disse a ultima frase, tive que bater em suas costas, pois ele chegou a ficar meio roxo de tanto que tossiu conclui que algo realmente aconteceu, servi mais um copo e continuei:                      
 _Das vezes não são sonhos são as referencias que mudam o exemplo da mãe de vida vai perdendo o encanto surgem exemplos bem sucedidos que passam a ser seguidos os ideais a que se propôs foram atingidos, mas agora só servem para subsistência pois se busca um estatus igual ou parecido a estas referencias  no qual a figura masculina por todos os itens que mencionei antes e quiça pelos que trazem essas referencias acaba por perder seu espaço pois todo o tempo passa a ser destinado a este projeto.  Os tempos mudaram antigamente se dizia que: “Atrás de um grande homem existe uma grande mulher”! Hoje a frase mudou, “Ao lado de um grande homem existe uma grande mulher”!  Os tabus foram todos quebrados em outros tempos a guria era criada para ser a mulher ser dona de casa e mãe hoje elas disputam, muitas vezes com melhor competência, o mercado de trabalho com os homens, mas o mercado é disputadíssimo e algumas não conseguem administrar o tempo e o tempo passa, elas mudaram, mas a natureza não, em alguns casos a maternidade só é possível com a ajuda da ciência e assim e sendo a participação masculina pode inté ser anônima... Baiano abriu os braços e disse:
_De tudo o que tu disseste o que tem a ver com o que eu te disse?
_Tu é que tem que saber vivente! Parece que os sintomas do mal de Alzaimer são mais latentes em tu!
_esta mulherada são tudo... Cortei o que ele dizia.
_Não me fale mal das mulheres... Ele me cortou:
_Já sei, já sei, já sei! Mas ainda ai de voltar a cevar o meu mate!
_Quiçá volte, mas espere com mate cevado e o rancho caiado e limpo!  Estranhei a maneira de ele falar e perguntei:
_Tchê me contes de que canto da Bahia tu é?
_Tchê Loco na verdade não sou Baiano, adotei alguns chistes tipo “meu dengo, me amole, meu rei, minha branquinha, mainha” e ai ganhei este apelido, mas sou tão pelo duro quanto tu!
_Entendo! Nada mais é que uma história parecida como outras tantas! Penso que por certo ele não entendeu o que eu disse, mesmo assim apenas sorriu sem retrucar, um ventinho com ares de chuva entrou pela janela e me afagou o rosto como uma suave caricia então falei:
_Bueno me voi tenho um estirão até o meu rancho, ainda bem que teve esta viração vai aliviar o trecho e quiçá eu pegue uma chuva. Baiano olhou o relógio e falou:
_ Desculpa Tchê Loco, mas preciso correr quero ver se da tempo de comprar umas tinta, gracias por ter se apenado deste traste!  Respondi: 
_Pode ter certeza que não tenho pena de macho o que fiz o fiz por... Bueno deixa pra lá, isso já é uma outra história, vai vivente! Hasta lá vista! Ele nem me respondeu saiu quase correndo quando sai do reservado o bolicheiro perguntou:
O que se passou com o Baiano cruzou por cá correndo dizendo que precisava ir pra casa lavar umas cuecas? Eu ri e disse:
_Sei lá! Vai ver que se borrou! Quanto te devo vivente?
_Nada! Ele mandou por tudo na conta dele, não sei o que tu disseste pra ele, mas a cara dele tava melhor quando cruzou por cá
_Não disse nada que ele não soubesse só que tinha esquecido, é o mal de Alzaimer vivente é o mal de Alzaimer! Gracias por tudo Bolicheiro se vemo de outra feita!
_Hasta lá vista Tchê Loco! 
Hasta Bolicheiro! Sai do bolicho e vi que o tempo se armava pros lados dos Castelhanos, vinha chuva com certeza!
 

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